sábado, 25 de janeiro de 2025

A Guerra Fria das Inteligências Artificiais

Figura 1. Cena do filme Exterminador do Futuro

 

Em 1891, no ensaio chamado "The Decay of Lying" (A Decadência da Mentira), Oscar Wilde afirmou: "A vida imita a arte muito mais do que a arte imita a vida." Em outras palavras, é como dizer que os episódios de Os Simpsons não fazem previsões; eles influenciam os acontecimentos. Talvez não tanto quanto obras como Os Sofrimentos do Jovem Werther ou, descendo o nível de formalidade deste texto, novelas coreanas e filmes populares.

E já que mencionei filmes, uma obra cinematográfica criada um século após o texto de Wilde descreve um futuro apocalíptico: uma inteligência artificial chamada Skynet ganha consciência de si mesma e decide exterminar a humanidade. Nesse cenário, a humanidade trava uma batalha desesperada contra as máquinas. Talvez para época, esse romance distópico, parecesse bem exagerado, porque até então a ideia do que tínhamos de maquinas eram coisas mais parecidas com utensílios domésticos, do que armas ou instrumentos militares. E nada do que se conhecia na época faria pensar diferentes, computadores eram mais uteis calculando, e supercomputadores eram do tamanho de salas como o Cry-2.  

Figura 2. Kasparov na revanche contra Deep Blue

Contudo, a IBM estaria disposta a dar um passo, talvez pequeno, mas significativo na batalha da humanidade versus maquinas, de um lado Deep blue, capaz de 200 milhões de posições por segundo, enfrentava Garry Kasparov, campeão mundial de Xadrez, em uma revanche pois o grande enxadrista russo (nascido na extinta união soviética) havia vencido o primeiro confronto por 4 a 2, em uma disputa de melhor de 6 partidas. Na tão esperada partida Deep Blue conseguiu um feito incrível, derrotou Kasparov com um saldo de 3 partidas ganhas, duas derrotas e um empate. Porém, Deep blue era apenas uma maquina programada para jogar xadrez, e estaria muito distante de liderar uma revolução das maquinas que culminaria em Arnold Schwarzenegger nú perseguindo pessoas com uma escopeta de cano serrado modelo Ithaca 37.

Ficções à parte, algo de muito relevante precisa ser mencionado, Deep Blue, o supercomputador, não era uma inteligência artificial, fato esse que criou uma alegação de Kasparov, ele acusou a IBM de auxilio humano à maquina...de alguma forma, computadores ainda não conseguiam replicar com perfeição algumas habilidades humanas, talvez a mais impotente delas, tomar decisões, e consequentemente, cometer erros e aprender em um processo acumulativo.

A vitória do Deep Blue sobre Kasparov em 1997 foi um marco simbólico: a máquina superava o homem em um campo que, até então, parecia exclusivo das mentes humanas. Contudo, Deep Blue não era uma inteligência artificial no sentido pleno. Ele não "aprendia" de forma autônoma; era apenas um gigante computacional, movido por algoritmos altamente especializados, incapaz de resolver problemas fora do xadrez.

O verdadeiro salto aconteceu anos depois, com o surgimento de novas técnicas baseadas em aprendizado de máquina, ou machine learning, que permitiram às máquinas não apenas processar informações, mas aprender com elas. Um dos pilares desse progresso foi o advento do deep learning, que usa redes neurais artificiais inspiradas no cérebro humano para identificar padrões em grandes volumes de dados. Outro elemento crucial foi a ascensão do big data, que forneceu o "combustível" necessário para treinar essas redes, alimentando-as com quantidades massivas de informações provenientes de quase todos os aspectos da sociedade moderna.

Esses avanços abriram as portas para um novo tipo de inteligência artificial, capaz de realizar tarefas complexas com uma eficiência surpreendente. Sistemas como o AlphaGo, da DeepMind, não apenas dominavam jogos milenares como o Go, mas também demonstravam um estilo de pensamento estratégico que parecia verdadeiramente criativo. Em paralelo, ferramentas como o GPT-3 e, posteriormente, os modelos generativos multimodais, tornaram-se capazes de interpretar e gerar texto, imagens e até sons em níveis antes inimagináveis.

No entanto, as aplicações não se limitaram a jogos ou à automação de tarefas cotidianas. A corrida por dominância na área de IA ganhou contornos geopolíticos e militares. Os Estados Unidos, com seu histórico de liderança tecnológica, começaram a integrar sistemas de IA em estratégias de defesa, como drones autônomos, vigilância avançada e sistemas de guerra cibernética. Por sua vez, a China, com investimentos bilionários em tecnologia e programas estatais como o "China Brain Project", emergiu como uma força competitiva, liderando o desenvolvimento de tecnologias de reconhecimento facial e sistemas de monitoramento em massa.

Essa disputa, que lembra a tensão da Guerra Fria entre EUA e URSS, vem moldando o futuro da inteligência artificial. Hoje, a corrida não é apenas para ver quem possui o sistema mais avançado, mas também para determinar como essas tecnologias redefinirão o equilíbrio de poder global. Ferramentas como armas autônomas — máquinas que decidem alvos e ataques sem intervenção humana — levantam questões éticas e estratégicas que desafiam as definições tradicionais de guerra.

Enquanto a corrida tecnológica pela supremacia da inteligência artificial avança, é impossível ignorar o fato de que o homem, ao longo da história, sempre encontrou maneiras sofisticadas de se autodestruir. Desde as armas nucleares até os sistemas de guerra cibernética, a busca por inovação muitas vezes caminha lado a lado com a construção de ameaças existenciais.

Hoje, nos encontramos em um ponto crítico: o poder dessas máquinas já supera nossa capacidade de compreendê-las em detalhes, e os sistemas que criamos começam a tomar decisões em níveis que escapam ao nosso controle direto. O cenário distópico imaginado em ficções como O Exterminador do Futuro não parece mais tão irreal. Afinal, o que impediria uma inteligência superior, com acesso irrestrito a dados e recursos, de concluir que a humanidade, com sua natureza conflituosa e destrutiva, é a maior ameaça ao planeta — e talvez até a si mesma?

O dilema está posto. À medida que cruzamos fronteiras cada vez mais perigosas, talvez seja hora de questionar se estamos criando ferramentas para proteger nosso futuro ou, ironicamente, assinando a sentença de nossa própria obsolescência. Wilde estava certo: a vida imita a arte — e, como nas melhores tragédias, nossa ambição pode ser o motor do enredo, mas também seu desfecho inevitável.

REFERENCIAS 

 

RUSSELL, Stuart J.; NORVIG, Peter. Inteligência Artificial. 3. ed. São Paulo: Elsevier, 2013.

TURING, Alan. Computing Machinery and Intelligence. In: HAUGELAND, John. Mind Design II: Philosophy, Psychology, Artificial Intelligence. 2. ed. Cambridge: MIT Press, 1997. p. 1-28.

GOODFELLOW, Ian; BENGIO, Yoshua; COURVILLE, Aaron. Deep Learning. Cambridge: MIT Press, 2016. Disponível em: https://www.deeplearningbook.org/. Acesso em: 25 jan. 2025.

LI, Fei-Fei; JOHNSON, Justin. A New Dawn of AI in Modern Warfare. Nature Machine Intelligence, v. 3, n. 5, p. 372-375, 2021.

SCHWAB, Klaus. The Fourth Industrial Revolution. Genebra: World Economic Forum, 2016.

SINGER, Peter W. The AI Arms Race Is On — And the US Isn’t Winning. Wired, 2020. Disponível em: https://www.wired.com/story/the-ai-arms-race-is-on/. Acesso em: 25 jan. 2025.

SCHWARTZ, John. Deep Blue Versus Kasparov: The Historic Chess Match. The New York Times, 1997. Disponível em: https://www.nytimes.com. Acesso em: 25 jan. 2025.

MCCARTHY, John; MINSKY, Marvin; ROCHESTER, Nathan; SHANNON, Claude. A Proposal for the Dartmouth Summer Research Project on Artificial Intelligence. 1955. Disponível em: http://www-formal.stanford.edu/jmc/history/dartmouth/dartmouth.html. Acesso em: 25 jan. 2025.

 

 

A Guerra Fria das Inteligências Artificiais

Figura 1 . Cena do filme Exterminador do Futuro   Em 1891, no ensaio chamado "The Decay of Lying" ( A Decadência da Mentira...